Introdução

Fui à floresta viver de livre vontade, para sugar o tutano da vida. Aniquilar tudo o que não era vida. Para, quando morrer, não descobrir que não vivi.

— Henry David Thoreau

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Uma das passagens de Christiania

Uma mentira paira sobre tudo e sobre todos. Cada postura, cada costume e cada objeto é uma prova cabal de nossa fixez ao convencional. Cada exame, do ponto de vista libertário, além de evidenciar o absurdo da submissão inconsciente a esta ordem de coisas nos trás a certeza de que TUDO poderia ser muito diferente. Todos os obstáculos à nossa frente são, de fato, nada mais que costumes, posturas e objetos. Todavia, para se ter idéia da dimensão deste problema, há que se ter em mente que estes costumes populistas, posturas de vanguarda e objetos de poder, pelos quais muita gente poderia morrer, são o que nos separa de todos esses outros mundos possíveis.

Em nome da segurança que supostamente existe nas convenções e reproduções, nós mesmos acabamos apegados a elas, vez ou outra, às vezes consciente, às vezes inconscientemente, numa postura que age contra a nossa própria libertação. As imagens motoras que conhecemos nos levam a isso: nossas categorias e conceitos, assim como nossa tradicional inovação (através da qual atualizamos o tédio que se tornou nosso modo de vida. Vazio). Poderia ser diferente?

De repente notamos que o livre mercado não nos proporciona nada além de uma vida de "livre submissão", as duas formas de organização espacial conseqüentes - o rural, cada vez mais mono monocultural, e o urbano, cada vez mais segregário - são as únicas a prosperar sobre tudo mais que está em seu caminho, tudo perfeitamente legitimado pelo discurso da servidão voluntária, a base para o maior culto da contemporaneidade, o trabalho. A competitividade fez de todos suas vítimas e a lei de todas as leis, a lei da urbe, fez da monocultura a lei da selva contra a selva. É, a sociedade do contrato cobra seu preço e poucos foram os que conseguiram enxergar nas entrelinhas. As doze badaladas traz novamente a pergunta: Poderia ser diferente? Mas… O que você realmente faz para que seja diferente? Se a resposta for - separar o lixo, fazer caridade e não comer carne - a indústria da reciclagem, a igreja católica e os ruralistas, plantadores de soja daqueles campos onde antes ficava a Amazônia, ficarão-lhes muito gratos. A essa altura é possível perceber que sua pequena ação cotidiana apenas alimenta o monstro que você pensa combater. Mas então o que fazer para que seja diferente?

Não podemos dizer que temos a resposta. Talvez tenhamos uma das possíveis respostas. E é bem provável que ela passe por um grande segredo, por algo como uma sociedade secreta, e talvez até mesmo por escritos na areia após a jornada. (Que segredo vale a pena se não for compartilhado? Mas não seria um segredo se fosse do conhecimento de todos!) Não vamos dizer o que você deve fazer. Ao invés disso, diremos o que NÓS estamos fazendo. O que não significa de maneira alguma que você algum dia não possa, através da sua vontade, tornar-se um de nós.

O que estamos propondo é a retirada estratégica do espaço do controle, para "fora da grade do mapa". Nada a ver com uma fuga ou com escapismo, justamente pelo contrário. Se os comunistas gostam de achar que podem mudar o mundo tomando o poder e os hippies gostam de crer que estão efetivamente mudando o mundo sem tomar o poder, nós cremos que podemos instaurar uma nova relação social corroendo o poder. Gostaríamos de ver um grande Êxodo dos espaços urbanos e da cultura do latifúndio, a libertação de espaços onde seriam erguidas zonas autônomas, comunidades intencionais formadas por grupos das mais diversas inspirações libertárias. Algumas ocultas, outras nômades, mas todas elas agindo com o objetivo de libertar mais territórios (físicos e imaginais) nesta guerra da informação. Por um Rizoma de Zonas Autônomas! - e autonomia deve ser entendida tanto no nível da produção material quanto subjetiva, expandindo-se através do estabelecimento de relações de mutualidade entre as áreas - este é no nosso entendimento a expressão mais ameaçadora para o sistema. Fora da cidade, fora da grade, fora do consumo.

Gostaríamos de ver as periferias vazias e as elites, assim como seus péla-sacos das classe medíocres (média), desesperados, sentados sobre seu próprio lixo à espera de um gari que nunca chegará. Ver as árvores rachando o asfalto e falanstérios de liberdade sendo erguidos em lugares inusitados, para o desespero do velho e roto latifundiário. Será a vingança de Fourier contra todos aqueles que o tacharam de utópico, delirante e inalcançável. Na medida em que os defensores do sistema forem mostrando suas garras talvez tenhamos que enfrentar as guerras travadas contra os desejosos por retomar a velha ordem custe o que custar. Até lá estaremos preparados, É infinitamente melhor morrer livre e de pé do que viver de joelhos, miseravelmente escravizado para o resto de nossas vidas.

Mas qual seria o preço dessa retirada? O sacrifício do conforto da vida material, da tecnologia, de suas relações pessoais? Não diremos que será fácil ou difícil, diremos que depende da forma como nos relacionaremos uns com os outros e com o mundo ao nosso redor. Poderíamos começar um grande projeto de reciclagem e assumirmos que nada começa com nada. Talvez seria necessário estabelecermos algumas normas com relação àquilo que queremos e aquilo que não queremos - não queremos uma cultura policial, por outro lado nos causa uma certa revolta a idéia de pedófilos se esgueirando sobre crianças (uma igreja católica já é mais que suficiente nesse sentido). Podemos pensar em criar a nossa própria tecnologia, mas essa escolha acompanha uma série de outras escolhas com relação a que tecnologia pode ser utilizada sem causar destruição social e ambiental e qual tecnologia efetivamente nós queremos abolir em nossa trajetória.

Por hora (para que não sejamos tachados de utópicos por algum marxista vulgar) o que podemos fazer é compartilhar algo desse segredo, agindo para a formação de uma zona autônoma, na esperança de que outras em outros lugares possam ser erguidas. Em algum lugar não determinado no mapa, alguns passos já foram dados nesse sentido. Já não estamos mais isolados: o que estamos fazendo é declarar guerra à urbe, à monocultura, ao consumo, à ciência positivista, ao desenvolvimentismo, à competitividade, à solidão, enfim, a um estado de coisas que aí está para transformar em brilho tudo aquilo que há de nos aniquilar. O que queremos fazer erguendo uma zona autônoma é propor uma outra imagem motora, outros lugares e feitos contra o velho sistema. Redes de hospitalidade e solidariedade. Cada pedaço de encantamento resgatado das garras do sistema, algo que é segurança e vida e que, pelo qual, acreditamos vale a pena lutar.

É nesse sentido que estamos agindo e, se depender de nós, o grande Êxodo deve rolar!

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